Historicismo Causuístico, Positivismo Sociológico e Positivismo Jurídico

Historicismo Casuístico
            Segundo Maria Helena Diniz em seu livro Compêndio de Introdução à Ciência Do Direito, a escola histórica do direito é representada, principalmente, pelos jusfilósofos alemães Gustav Hugo, Friedrich Carl von Savigny e George Friedrich Puchta.
Gustav Hugo, em seus estudos, rejeitou a moderna teoria jusnaturalista como sistema de princípios morais e racionais, estabelecendo as bases para uma revisão do racionalismo histórico do direito natural, ao desenvolver, de forma metodótica, uma nova sistemática da ciência jurídica, acentuando a dimensão histórica da relação jurídica. Para ele, o direito natural nada mais seria do que o direito positivo universal ou jus gentium do direito romano, direito comum a todos os povos, constituído pela razão natural, do qual o  jus civile ou direito natural é um desenvolvimento histórico particularizado.
As ideias de Hugo sobre o método histórico na ciência jurídica foram aprofundadas por Friedrich Carl von Savigny, o verdadeiro promotor do historicismo jurídico, que chegou a conceber a ciência jurídica como historiografia genética do direito e disciplina cultural, sem quaisquer fins práticos imediatos.
A ideia fundamental da doutrina histórico-jurídica de Savigny era a oposição à codificação do direito, por considera-lo como manifestação característica da livre consciência do povo ou do espírito popular, sob a forma do costume, e não como um produto racional do legislador, visto que surge na história como decorrência dos usos e costumes e da tradição. O legislador não cria o direito, apenas traduz em normas escritas do direito vivo, latente no espírito popular, que se forma através da história desse povo como resultado de suas aspirações e necessidades. O direito, longe de ser criação arbitrária da vontade estatal, era  produto da consciência popular, em determinadas condições de tempo e lugar, da qual o costume é a manifestação autentica, livre e direta.
Como a íngua principia espontaneamente no modo de falar de um povo, o direito também começa como conduta consuetudinária popular, conforme a convicção espontânea do que é necessário e justo.  O direito resultava da longa evolução histórica da consciência coletiva e não se improvisava a golpes de legislação saída dos cérebros.
Como a gramática científica se funda na história da língua, a ciência jurídica deve basear-se na história do direito nacional, como se vê, o historicismo jurídico estabeleceu uma íntima conexão entre direito e história e entre ciência do direito e sua pesquisa histórica. A investigação científico-jurídica devia reconhecer, uniformemente, baseada em princípios da ciência histórica, o valor e a autonomia de cada época. Como a língua nacional pode assimilar palavras e expressões comuns a várias línguas, permitindo a gramática geral, há construções comuns a vários povos, possibilitando o direito comum e internacional.
Se o direito era semelhante ao idioma, não haveria nenhum sentido sua codificação, pois, apesar das vantagens de certeza e segurança jurídica que a codificação apresenta, esta deve ser evitada porque, além de imperfeita, surge o inconveniente da ilusão de que o direito que se plica é o do código, com isso os juristas centralizariam seus estudos no direito codificado, afastando-se da verdadeira fonte do direito, que era a necessidade, o uso e o costume do povo. A codificação do direito colocaria em risco o processo natural do desenvolvimento jurídico, artificializando o direito, incompatibilizando-o com as aspirações da nação, por provocar sua fossilização.
Daí sua rejeição da proposta de Friedrich Justus Thibault de se elaborar um Código Civil comum para toda a Alemanha, aproveitando as inovações do Código de Napoleão. Com a substituição da lei pela convicção comum do povo, como fonte primordial do direito, o sistema jurídico perde, em parte, o caráter absoluto da racionalidade lógico-dedutiva, ficando em posição secundária, passando para o primeiro plano a sensação e a intuição imediatas. Savigny estabelece o relacionamento primário da intuição do jurídico não à norma genérica e abstrata, mas aos institutos de direito, que expressam relações vitais típicas e concretas. A partir desses institutos extrai-se a norma jurídica, por meio de processo abstrativo e artificial. Com isso o sistema ganha, ante a historicidade dinâmica dos institutos que se mostra na conexão espiritual da tradição, uma qualidade contingente, que é pressuposto fundamental de sua estrutura, daí o caráter complexo e produtivo do pensamento conceitual jurídico-científico.
A sistematização histórica proposta por Savigny, acabou dissolvendo-se numa estilização da tradição, como seleção das fontes históricas, sobretudo romanas. A relevância dada à intuição do jurídico nos institutos cedeu lugar a um sistema de construção conceitual das normas jurídicas. O direito constitui uma totalidade, que se manifesta no sistema de conceitos e proposições jurídicas, em íntima conexão. Logo, qualquer lacuna é uma aparência, pois as normas de amplitude genérica maior contêm logicamente as outras, n totalidade do sistema. O sistema jurídico é manifestação de uma unidade imanente, perfeita e acabada, que a análise sistemática explicita.
Esta concepção de sistema veio informar a jurisprudência dos conceitos, que se desenvolveu com George Friedrich Puchta, sistematizador da escola histórica, que em sua pirâmide de conceitos, deu ênfase ao caráter lógico-dedutivo do sistema jurídico, enquanto desdobramento de conceitos e normas abstratas da generalidade para a singularidade, em termos de uma totalidade fechada e completa.
Para Puchta o direito humano confunde-se com o direito natural, isto é, com o direito nascido no espírito popular, como convicção ou vontade comum do justo. O direito era o direito do povo, ou seja, que nascia da convicção popular íntima e comum. Outra criação da consciência é o Estado e a autoridade pública, imprescindíveis para a realização do direito. O Estado, portanto, não cria o direito, pois o pressupõe no Volksgeist, que por sua vez, é o meio pelo qual Deus se revela ao homem. Há uma simbiose entre o direito posto e o direito formado pela consciência histórica, fazendo do legislador o seu representante máximo. O direito oriundo do Volksgeist, assume forma visível graças às fontes jurídicas que são; o costume, a lei e a ciência jurídica.
Assim, o direito positivo e histórico é, para Puchta, direito natural no duplo sentido, isto é, pode ser nascido no espírito popular e, por ser, como este, necessariamente reto pelo objeto ou conteúdo.
Com o historicismo casuístico houve, portanto, a valorização do costume, a manifestação espontânea do espírito nacional, a experiência jurídica para essa escola era histórica, e o conhecimento científico do direito só podia basear-se nessa experiência.
Deveras, ensina-nos Machado Neto, a escola histórica que se iniciou historicista, veio a engrossar a corrente do racionalismo dogmático, que anunciado nos glosadores e no jusnaturalismo racionalista, se inicia com o exegetismo e, passando pela jurisprudência dos conceitos e pelos pandectistas, vem a culminar na obra de Hans Kelsen, posição líder no mundo do pensamento jurídico científico. Observa a esse respeito Tércio Sampaio Ferraz Júnior que Savigny exigia uma investigação científica do direito conforme aos princípios da ciência histórica. Mas ao seu lado também estava a dogmática jurídica, vista como teoria do direito vigente que, para os prosélitos do historicismo, passou a ter maior importância que a pesquisa histórica, pois até mesmo Savigny reconhecia que o estudo científico (histórico) do direito romano visava estabelecimento daquilo que era ainda utilizável no presente. Com isso, marca o historicismo, o aparecimento do que koschacker denomina “direito dos professores”, pois a doutrina passou a ser mais importante do que a práxis, por isso o que importava era o direito vigente ensinado e não as decisões dos práticos ou dos juízes. Consequentemente a investigação histórica revelou-se distorcida na prática, caso em que as fontes romanas acabavam por ser colocadas em relevância, conforme sua importância e eficácia para um sistema (dogmático), construído segundo uma organicidade lógico-formal. A ciência jurídica da escola histórica acabou por reduzir-se a um conjunto de proposições, logicamente ordenado e concatenado, abrindo as portas para o pandectismo, que correspondeu na França, a escola da exegese, e, na Inglaterra, a escola analítica.
Positivismo Sociológico e Positivismo Jurídico.
O termo “positivismo” não é unívoco, pois designa tanto o positivismo sociológico ou sociologismo eclético, ou seja, a doutrina de Augusto Comte, e as que ela se ligam ou se assemelham, como o estrito positivismo jurídico. O positivismo ao arredar o direito natural, procura reconhecer tão-somente o direito positivo, no sentido de direito vigente e  eficaz em determinada sociedade, limitando assim o conhecimento científico-jurídico ao estudo das legislações, positivas, consideradas como fenômenos espácio-temporais.
O positivismo sociológico adveio da teoria de Augusto Comte, que pretendeu realizar por meio da ciência uma forma social, afirmando que a única ciência capaz de reformar a sociedade é a sociologia ou física social, que era a ciência positiva dos fatos sociais. A sociologia era a única ciência social, a ciência geral da sociedade, por isso a ciência jurídica seria um setor da sociologia. A ciência do direito dominada pelo sociologismo passou a concebê-lo como a única via de positivação para o saber jurídico. O positivismo comteano procurou eliminar da metodologia a busca apriorística de princípios estabelecidos por via dedutiva; negando a metafísica, supervaloriza o empirismo , dando preferência às ciências experimentais, ao confiar, exclusivamente, no conhecimento de fatos, afastando qualquer ato cognitivo que não tenha partido da observação. Para Augusto Conte seria impossível atingir as causas imanentes e criadoras dos fenômenos, aceitando os fatos e suas relações recíprocas como o único objetivo possível do conhecimento científico. Afirma esse autor, que numa ordem qualquer de fenômenos pode ser perturbada, mas nunca a sua natureza. O estreitamento da margem de mutabilidade da natureza humana condicionada a possibilidade de uma sociologia. O desenvolvimento humano é sempre o mesmo, apenas se modifica na desigualdade de sua velocidade. Retira Comte da biologia fixista o princípio das condições de existência, garantia da positividade da sociologia. Daí sua luta contra o emprego do método teleológico na investigação científica, pois todos os fenômenos vitais devem ser, na sua concepção, explicados por suas causas sociológicas.
A expressão “positivismo jurídico” não deriva daquela de “positivismo” em sentido filosófico, embora no século passado tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no século XIX) nada tem a ver com o positivismo filosófico. Tanto é verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão “positivismo jurídico” deriva da locução direito positivo, contraposta àquela de direito natural.
O juspositivismo, ou Direito Positivo, é aquele posto pelo poder soberano estatal, o qual se estabelece por contrato; suas fontes são apenas as leis e os costumes, não opostos a elas; instituição da norma jurídica; o ordenamento seria justo, e o que for contrário a ele seria injusto, estabelece o que é útil. Para os positivistas, o Direito Positivo seria a expressão única do Direito, pois, diferente do Natural, é vinculado ao poder coercitivo das normas e teria segurança jurídica. Para Kelsen, quando se fala em Direito entende-se apenas Direito Positivo, pois, como Ciência, o Direito exige uma ausência de valoresO juspositivismo toma o direto como ligado não somente a história, mas a toda realidade, orientando-se da “filosofia experimental”. Essa é uma linha evidentemente derivada das ideias de Augusto Comte que, entretanto, não admite um conceito de “conhecimento absoluto”.  O princípio Conteano conclui que o direito se situa, como uma consequência, no plano da investigação  dessas relações entre fatos. Daí que, presos ao conhecimento dos fenômenos, só podemos buscar o direito no estado positivo; e este se circunscreve a fatos imediatos da experiência. Assim, para o juspositivismo, o direito, como produto da vontade humana, é tão só o promulgado e aplicado, o direito vigente em determinado lugar e época.
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Kelsen é um adversário sistemático daqueles que querem reduzir a Ciência Jurídica a um capítulo da Sociologia, da Economia, da História ou da Geografia. Para ele, a Ciência Jurídica é uma ciência autônoma, que deve operar com métodos próprios e com absoluta fidelidade a seus prismas de observação. Partindo desta colocação metodológica, Hans Kelsen sustenta que a Ciência do Direito é uma pura ciência de normas e proposições normativas.



Fontes de Pesquisa

Compêndio de introdução à Ciência do Direito – Maria helena Diniz
O Positivismo Jurídico – Norberto Bobbio
Lições de História do Direito – Walter Vieira do Nascimento
Teoria Pura do Direito – Hans Kelsen

Filosofia do Direito – Paulo Nader 

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